sábado, 25 de outubro de 2008

UM OFICIAL INGLÊS EM LEIRIA -4

Os filhos de Guilherme Charters e de Ana Bárbara Soares Barbosa
O Tenente-coronel Guilherme Charters e Ana Bárbara Soares Barbosa tiveram 5 filhos: Roberto, Maria Isabel, Joana Tomásia, Bárbara Rita e Jerónimo. Refira-se que encontrámos os três filhos do Tenente-coronel Guilherme Charters que não morreram quando crianças (Roberto, Isabel e Bárbara) numa lista dos 40 maiores contribuintes do concelho de Leiria, muito graças aos casamentos que celebraram. Nomeadamente, o seu filho Roberto, após o seu casamento com uma viúva, já casada anteriormente duas vezes e com mais 38 anos que ele, foi deputado do Reino.
As outras duas filhas casaram com grandes proprietários do distrito, sendo um o José Maria Henriques d’Azevedo, das Cortes, futuro 1º Visconde de S. Sebastião e o outro com o abastado José Maria Crespo, da Marinha Grande.
Estes detalhes são importantes, pois confirmam que o Tenente-coronel Guilherme Charters se inseriu na sociedade local, tendo todos os seus descendentes casado muito bem levando a que socialmente a sua família tenha tido grande influência na cidade de Leiria. Talvez assim se percebam as suas atitudes no serviço militar, pois passaram a ser mais importantes para ele as actividades sociais e económicas, que as militares, agora que já tinha acabado a Guerra Peninsular e a confusão era grande no país com a guerra resultante da “zanga real”.

Os negócios do Tenente-coronel Guilherme Charters
Para além de militar, Guilherme Charters procurou desenvolver outros negócios. No seu dossiê, existente no Arquivo Histórico Militar, figura um documento sem data e com muita informalidade, pelo qual Guilherme Charters informa o Duque da Terceira da "grande inconveniência que está sofrendo pela falta de uns carpinteiros, pedreiros e ferreiros" para trabalhar na sua fazenda e "pede o favor dar baixa imediatamente a oito indivíduos" ingleses, cujos nomes se encontravam numa lista anexa. A relação incluía sargentos e praças que se encontravam (presos!) no Castelo de S. Jorge e no Convento de Xabregas, em Lisboa. Tal facto indicia que o documento seja da época da extinção das ordens religiosas (1834). Aliás, Guilherme Charters insiste no mesmo assunto em 9 de Outubro de 1834, num tom mais formal, afirmando que era "proprietário de uma considerável porção de terreno no termo de Leiria" e desejava "levar para ele alguns soldados ingleses (dos que ainda não tem baixa)", o que julgava razoável "visto a iminente vantagem que resultará a Portugal pela introdução do sistema de agricultura existente em Inglaterra". Por outro lado, argumentava também: "nada serve presentemente os ditos soldados a Portugal e a si mesmos".
Curiosamente, a 11 de Dezembro de 1834, 5 anos antes de falecer, Guilherme Charters faz sociedade com vários súbditos ingleses - os referidos soldados e alguns mais, num total de 33 - a quem arrenda algumas das suas terras. No entanto, parece que tal sociedade funcionou muito mal. No dossiê do Tenente-coronel Guilherme Charters existente no Arquivo Histórico Militar existem referências a "ingleses vivendo em Leiria da caridade pública".
O Tenente-coronel Guilherme Charters morre em Leiria no dia 25 de Novembro de 1839 com 56 anos. Pouco tempo antes, escreve um documento de nove páginas com as suas últimas vontades, que reflecte o pensamento de Guilherme Charters face à família, contendo passagens muito interessantes e pouco comuns em documentos do género.
Assim, Guilherme Charters começa por deixar claro que era súbdito britânico, tendo sido Major no seu exército, para além de Tenente-coronel no exército português. Depois, briosamente alude à sua condecoração com a Ordem da Torre e Espada, referindo o nome dos pais, da mulher, dos sogros e dos filhos que estavam vivos.
Guilherme Charters, neste documento, enfatiza a sua propriedade rural, especialmente as férteis lezírias a noroeste de Leiria (no eixo Moinhos da Barosa – Regueira de Pontes) na perspectiva talvez do rendimento agrícola.
Guilherme Charters não podia então imaginar que os casamentos dos seus três filhos ainda vivos iriam incrementar em definitivo a já boa situação económica da família. Porém, é evidente que William Charters preparou esse cenário antes de falecer. No parágrafo 10 das suas últimas vontades, lê-se:
"Se eu podesse ter a certeza que todos os meus sucessores seriam tão excellentes homens como he meu filho não faria testamento, se não declar-lhe [sic] meu único e universal herdeiro, porque sou certo que elle faria justamente o que lhe teria explicado ser minha vontade. Mas como isto é insufissiente e mesmo meu filho que he hoje tão excellente homem pode mudar para outras desgraças tenho resolvido deixar os meus bens de maneira seguinte:
Deixo o uso e fructo de tudo quanto possuo ou posso por qualquer via possuir ao meu filho Roberto Charters. Porém não pode entrar na administração de nada que he meu em quanto não tiver 25 annos completos de edade [por essa altura Roberto tinha 20 ou 21 anos, sendo o seu filho mais velho]; que tenha frequentado a Universidade por 4 annos ao menos e tenha sido approvado nos exames; que tenha hum razoavel conhecimento de Chimica e Botanica para poder ser bom lavrador e cultivar com vantagem e credito suas fazendas e que tenha estado dois annos em Inglaterra, ou por melhor dizer, na Grand Brittania e fallar e escrever a lingoa Ingleza como hum Inglez que elle he".
Como se pode verificar, Guilherme Charters pretendia que o seu único filho varão tivesse uma educação esmerada e completa, para que fosse um grande proprietário rural, capaz de rentabilizar as terras que ia herdar. Por outras palavras, Guilherme Charters projectava no filho aquilo que ele próprio desejou ser, procurando certificar-se de que o filho – ao contrário dele próprio – teria todas as condições para tal. Daí também a preocupação com um excelente domínio da língua inglesa, até porque Guilherme Charters via o filho Roberto como um inglês, mesmo que tenha nascido em Portugal.
Este parágrafo final, no qual se nota perfeitamente o português ainda não muito perfeito de William Charters, sugere-nos que a sua grande aspiração era erguer uma casa junto às suas lezírias, a qual seria para habitação, dado que ele refere a boa pedra calcária e a necessidade de ser bem mobilada. Se este anseio nada nos diz sobre o local onde Guilherme Charters residia à época, pelo menos sugere que, caso vivesse já na cidade (onde viria a falecer), tinha os seus principais interesses no campo. Porém, o seu filho Roberto estudou Direito (tendo-se formado a 23 de Julho de 1843 em Coimbra) e, apesar de ter sido também proprietário rural, tornou-se um homem mais urbano e mais cosmopolita que o pai, pois foi deputado.
Continua

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