quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Uniformologia Militar Portuguesa.8

Capítulo 8. Os Contingentes Coloniais
Um dos factores de evolução uniformológica que se torna visível a partir de 1870 é a influência colonial.
Em 1871, Portugal vê-se na contingência de enviar para o Estado da Índia (Goa) um batalhão expedicionário de infantaria para integrar a guarnição daquele território ultramarino. A reestruturação da guarnição havia sido levada a cabo pelo novo governador, Macedo e Couto, que havia substituído o visconde de S. Januário. A nova estrutura passava a ser constituída por oito companhias de polícia, uma bateria de artilharia operada para tropas indígenas e um batalhão de infantaria da metrópole. Esse batalhão teria sido enviado para intervir contra um levantamento de tropas indígenas contra o antigo governador, o visconde de S. Januário. Partindo em Novembro de 1871, sob o comando de Francisco José da Silva, e acompanhado pelo infante D. Augusto e o novo governador Macedo e Couto, este batalhão não chega a entrar em acção, graças ao acalmar da situação. No entanto, devido ao reacender dos motins, o batalhão metropolitano acabaria por entrar em campanha (Martins, 1945, p. 401- 412).
As Ordens do Exército da época são bem claras quanto à preparação deste batalhão para a Índia, introduzindo acessórios com funções específicas para operações coloniais: “Secretaria d’estado dos negócios da guerra - Direcção Geral - 4ª Repartição - Illmº exmº Sr. - S. exª o ministro da guerra encarrega-me de dizer a v. exª que se sirva ordenar que sejam feitas com a máxima brevidade seiscentas capas de linho branco para barretinas, as quaes devem cobrir a pala e ser guarnecidas de rebuço; por isso que são destinadas ao batalhão de caçadores nº 1, que brevemente seguirá viagem para Goa.
Deus guarde a v. exª Secretaria d’estado dos negócios da guerra - Illmº e exmº sr. Director geral de artilharia - o director geral, D. António José de Mello.
Secretaria d’estado dos negócios da guerra - Direcção Geral - 4ª Repartição - Urgente - Comunica-se à direcção da administração militar que s. exª o ministro da guerra determina que, pela mesma administração, se proceda à compra de mil camisolas de malha de algodão para serem immediatamente fornecidas ao batalhão de caçadores nº 1, que vai seguir viagem para a Índia” (O.E. nº 43 de 3/10/1871, p. 336).
Na O.E. nº 44 de 10 de Outubro de 1871 é publicado o plano descritivo, sem iconografia, de fardamento, armamento e equipamento para o batalhão expedicionário para a Índia. Não foram designados quaisquer tipos de barretina nem mesmo a regulamentar de 1868 - 1869, optando-se por um barrete, em forma de képi com tampo mole. Era confeccionado em pano azul ferrete, os vivos encarnados e sem penacho. A pala era quadrada, envernizada de preto pela parte superior e verde no lado inferior; a correia era envernizada de preto com fivela de latão. Para completar o conjunto eram aplicadas, quando necessário, as capas de pano de linho branco, que ajudariam a suportar o efeito directo do sol.
O casaco seria talhado sem recorte de cintura e folgado. A calça de grande uniforme continuava a ser o modelo de mescla escura e para marchas e serviço de caserna era distribuída a versão em brim branco.
Todo o restante equipamento, como gravata, calçado, divisas das praças graduadas (sargentos e cabos), capote, artigos de fardamento e pequeno equipamento da dotação individual, permanecia o das ordenanças de 1856 e 1868 - 1869.
No caso específico dos oficiais, todos os artigos de uniforme e equipamento eram similares aos dos sargentos e praças, diferindo pela melhor qualidade dos panos empregues na confecção do barrete, do casaco e das calças. Os botões dos casacos seriam dourados e não de metal amarelo, continuando-se a usar as charlateiras regulamentares, assim como a banda e as luvas dos oficiais de infantaria dos regimentos da metrópole.
Quanto ao armamento, este era o usado pelas unidades de infantaria do Exército, consistindo no sabre regulamentar para os oficiais e muito provavelmente modelos de revólver de aquisição particular. Os sargentos e praças seriam equipados com a carabina para caçadores, de retrocarga, Westley-Richards, de calibre 14 mm. Para além do sabre-baioneta que acompanhava a respectiva arma, o correame que equiparia as tropas seria do mesmo modelo da infantaria de linha, consistindo no cinturão, nas cartucheiras e nas patronas introduzidos em 1855, mais os necessários bornais, cantis e mochilas que formavam a dotação de campanha (O.E. nº 44 de 10/10/1871).
Como já se pôde verificar, o batalhão expedicionário português enviado à Índia, em 1871, ia basicamente uniformizado com fardamentos adaptados ao clima nacional e não aos climas tropicais, mantendo o uso do sombrio casaco de pano azul ferrete e das não menos sombrias calças de mescla. Embora se contemplassem as calças de brim branco, de pequeno uniforme, para uso nas marchas e faxinas, a outra única concessão ao clima quente e húmido era a capa de linho branco para o képi, que também era confeccionado com pano azul ferrete. Por conservadorismo, ou por ignorância do teatro de campanha que ia enfrentar, a comissão encarregada de organizar o batalhão não optou por criar um uniforme tropical, em pano branco ou mesmo khaki, como já havia feito a Inglaterra.
Na verdade, estas intervenções militares portuguesas nas suas possessões ultramarinas são ainda pontuais e a experiência militar colonial não era então suficiente para se formar um real juízo das necessidades dos soldados em campanha fora de Portugal. Contudo, pena é que não se decidisse seguir cegamente um figurino colonial inglês ou francês, já com provas dadas, optando-se por realizar uma versão do uniforme metropolitano.
Se assim aconteceu na expedição de 1871, o mesmo se repete na campanha dos Dembos, em Angola, quando se enviou um batalhão expedicionário. O plano de fardamento desta unidade é em tudo semelhante ao já decretado para o batalhão enviado à Índia (O.E. nº 43 de 3/10/1871, p. 348 - 349). A única diferença surge no casaco, cujos vivos e presilhas de ombro são brancos em vez dos encarnados de 1871. Também o forro, em lugar do pano encarnado, é de tecido preto (O.E. nº 5 de 15/2/1873, p. 39).
O armamento e o correame também diferem, começando pelo primeiro, em que a carabina Westley-Richards é substituída pela nova espingarda de retrocarga do modelo Snider-Barnett m/1872, com que se equiparam os sargentos e praças. Aquele tipo de arma surgia a partir da antiga espingarda Enfield, estriada, a que era aplicada uma nova culatra de alçapão do referido modelo Snider de concepção britânica. Os oficiais, tal como em 1871, teriam a espada regulamentar do exército da metrópole e também a provável posse particular de revólveres para defesa pessoal. O correame seria em anta branca, assim como as cartucheiras e patronas. A mochila de víveres seria confeccionada em pano de brim cru branco, os malotes do capote em material semelhante e o cantil seria em folha de Flandres (idem, p. 40). No último caso, seria de imaginar o efeito do calor sobre um cantil de água (ou vinho) feito em chapa, que não estivesse devidamente isolado por tecido ou cortiça.
Assim, o princípio e o conceito que deram origem ao batalhão expedicionário à Índia em 1871, voltam a ser usados em 1873. Enviar tropas para climas tropicais ou aproximados com fardamentos adaptados ao clima temperado europeu, revelava total desconexão com a realidade das campanhas em teatro colonial. Um soldado desses batalhões só poderia contar com a boa vontade de um corpo de oficiais que lhe permitisse combater em camisola de algodão e com as calças de brim. E para se cobrir restava-lhe o képi azul, embora encapado de branco, já que este acumulava as funções de barretina e barrete de caserna.
Como foi possível verificar ao longo deste texto, a evolução do uniforme militar português nos períodos iniciais da Regeneração, para além dos planos de fardamento, foi pautada por numerosos decretos, portarias e circulares que alteravam, modificavam ou ampliavam as legislaturas de base. Muitas circunstâncias estão documentadas, outras situam-se no campo das hipóteses que, carecendo de comprovação documental, podem servir para futuras propostas de trabalho ou de debate.
Continua

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